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Seminário sobre intolerância religiosa reforça importância da resistência das religiões de matrizes africanas
Resistência. Essa foi a palavra que marcou a abertura do 'III Seminário sobre Intolerância Religiosa e Estado Laico', realizado hoje (25), pelo Ministério Público do Estado da Bahia. O evento encerra as ações da 'Semana Afirmativa da Liberdade Religiosa' e reúne representantes de órgãos públicos, integrantes de movimentos sociais e de diversas religiões para debater ações de prevenção e combate a práticas discriminatórias. “Estamos reunidos em prol de um direito constitucional que vem sendo constantemente violado”, destacou a promotora de Justiça Lívia Santana Vaz, que coordena o Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis). Ela chamou atenção para o fato de que é preciso pensar novas estratégias de atuação em defesa da liberdade religiosa: “devemos nos articular dentro e fora das instituições, com os movimentos sociais, com os cidadãos, para que os nossos direitos constitucionais sejam respeitados”. A chefe do MPBA, procuradora-geral de Justiça Ediene Lousado, complementou que é necessário lutar todos os dias, pois, infelizmente, as violações aos direitos humanos são permanentes. “Resistência é o nosso nome”, disse ela, lembrando que existem avanços como a instituição do sistema de cotas, estruturação de ações de defesa da liberdade religiosa, combate a todo de tipo de discriminação e luta efetiva pelos direitos humanos. “Mas, é preciso caminhar. Lutaremos para que não tenhamos mais nenhum retrocesso”, frisou.
Na abertura do evento, o MPBA informou que 13 notícias de fato relativas a casos de intolerância religiosa foram registradas na Instituição neste primeiro mês de 2019. O número já supera a média mensal do ano de 2018, que contabilizou 71 casos. Em 2017, foram registrados 56 casos. “O MP está a disposição. Não queremos que o racismo religioso continue afetando as religiões afro-brasileiras”, destacou Lívia Vaz, afirmando que as religiões de matrizes africanas têm sido o principal alvo desse ódio religioso. Para a promotora de Justiça, as instituições do Sistema de Justiça precisam se posicionar. “Precisamos refletir e reagir”, conclamou, afirmando que o dia 21 de janeiro (Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa) não é de celebração, é um dia de reflexão, ação e reação. Presidente da Comissão de Igualdade, Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos, do Tribunal de Justiça da Bahia, o desembargador Lidivaldo Britto também reforçou a necessidade de resistir. “Aprendi, no MP, a ser militante dos direitos humanos. Fui coordenador da Promotoria de Justiça de Combate ao Racismo entre os anos de 1997 e 2006 e vivenciei muitos casos”, lembrou ele, assinalando que as religiões de matrizes africanas são de negros, daqueles que um dia foram escravizados. Por isso, sempre foram discriminadas pela sociedade. “A sociedade brasileira é ainda tão racista que se sente no direito de acreditar que as religiões de matrizes africanas são inferiores”, lamentou o desembargador, frisando que “qualquer atentado às religiões de matrizes africanas é inadmissível”. Ele anunciou a realização do primeiro concurso da magistratura baiana com cotas para negros (30% do total das vagas).
Na conferência de abertura do evento, o advogado da religiões afro-brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva Júnior, falou sobre a importância da Lei da Ação Civil Pública, que inscreveu a liberdade e a honra dos grupos religiosos no rol do patrimônio brasileiro. Ele pontuou que, embora o Ministério Público esteja cada vez mais presente nas ações de defesa da cidadania, a Bahia ainda é o único estado do país que tem uma Promotoria de combate ao racismo. O advogado abordou a laicidade do Estado e afirmou que o “valor religioso” pode ser um problema para a democracia. “A lei determina que o Estado é laico, mas existe o valor religioso e a diferença entre eles é simples: o valor é bom para um determinado grupo, enquanto a lei supostamente é boa para todos porque atende ao interesse público”. Então, o Estado não pode estar a serviço dos valores. Não pode priorizar pessoas, tem que servir à coletividade, explicou. Hédio Silva também destacou a importância de refletir e estar atento à preservação do que se construiu como espaço democrático no Brasil, dos instrumentos de defesa da cidadania e dos direitos fundamentais e da garantia de que minorias não podem ser asfixiadas por supostas maiorias. Ele frisou ainda que “não se pode subordinar o interesse público ao valor religioso, o interesse particular ao privado, a perspectiva legal do pluralismo inscrito na Constituição Federal às convicções pessoais, quaisquer que sejam elas”.
Também participaram da mesa de abertura a secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado, Fabya Reis; presidente da Comissão Especial da Promoção da Igualdade, da Assembleia Legislativa, deputado Bira Coroa; subdefensor público-geral Pedro Paulo Casali; presidente da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa e Conselheira Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Bahia, Maíra Vida; coordenadora de Proteção aos Direitos Humanos, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado, Isaura Genoveva; coordenador da Polinter, delegado Ivo Tourinho; coordenadora do Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar, capitã Thais Trindade; professora de direitos humanos da Academia da Polícia Civil, delegada Jussara Maria de Souza. O seminário contou ainda com paineis sobre 'Sistema de Justiça e enfrentamento do racismo religioso', que teve a participação da coordenadora de Koinonia, Ana Gualberto, e da promotora de Justiça Lívia Vaz; e 'Ouvir, orientar, inspirar: como líderes religiosos podem promover respeito em suas comunidades?', com a yalorixá do Terreiro Abassá de Ogum, Jaciara Ribeiro, o arcebispo da Igreja Anglicana Tradicional, padre Alfredo, o médium espírita fundador da Cidade da Luz, José Medrado, e o sheihk do Centro Cultural Islâmico da Bahia, Abdul Hameed Ahmad.