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Trabalho infantil: origem, formas e impactos da pandemia são discutidos em evento do MP
A última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre trabalho infantil, de 2019, revelou que há mais de 1,7 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 a 17 anos, trabalhando em todo o país. De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, as crianças negras são as mais afetadas, representando 66,1% das vítimas do trabalho infantil. Para a gestora do projeto Criança Livre de Trabalho Infantil, a jornalista Bruna Ribeiro, essa problemática também passa por reflexões sobre o racismo estrutural. “Quando pensamos a raiz histórica do trabalho infantil, uma das causas é o racismo. Não é possível falar sobre erradicação do trabalho infantil sem o enfrentamento do racismo estrutural”, defendeu Bruna no ‘Webnário Impactos da Pandemia no Trabalho Infantil’, promovido pelo Ministério Público estadual, nesta quinta-feira, 10.
Bruna lembra que no período escravocrata as crianças também foram exploradas. “O trabalho infantil no Brasil começa com a invasão dos portugueses e o início da exploração de crianças indígenas para extração do pau brasil. Quando houve a escravização das pessoas negras, os meninos eram destinados para o trabalho nas lavouras e as meninas ao trabalho doméstico e exploração sexual”.
Na avaliação da jornalista, também autora do livro Meninos Malabares, ainda hoje, é possível ver por meio dos dados os impactos negativos dessa exploração. Para ela, também há uma “naturalização” do trabalho infantil para essas crianças. “É comum ouvirmos que é melhor trabalhar do que roubar, que trabalhar não mata ninguém. Mas os filhos da classe alta estão na escola em tempo integral, têm acesso a todas as atividades. Não é justo que sejam apresentadas apenas duas alternativas à criança negra: ou trabalha ou rouba”, criticou.
Impactos da pandemia no trabalho infantil
Outro fator agravante da violação aos direitos da criança, ressaltado no evento, é a desigualdade socioeconômica no país. E, com a pandemia da Covid-19, o fenômeno já mostra sinais de agravamento, com restrições das aulas presenciais e a perda econômica das famílias. “É um cenário que efetivamente resta por desaguar e criminalizar ainda mais as nossas crianças”, lamentou o coordenador do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), promotor de Justiça Tiago Quadros.
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (Caoca), promotora de Justiça Marcia Rabelo, lembrou que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 2021 como o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil. A meta é proibir e erradicar todas as formas de exploração do trabalho infantil até 2025, de acordo com os objetivos traçados na Agenda 2030 da ONU, da qual o Brasil é signatário.
“Esse compromisso assume uma dificuldade maior quando a gente considera o contexto da pandemia e toda a crise socioeconômica que estamos enfrentando. Sem dúvida, houve um impacto muito grande no aumento do trabalho infantil, na pobreza das famílias, e no aumento da desigualdade em nosso país”, destacou a promotora.
A jornalista Bruna Ribeiro chamou atenção para um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, que revelou um aumento de 26% no número de crianças em situação de trabalho infantil, somente entre os meses de maio e julho de 2020, na cidade de São Paulo. “As crianças estão fora da escola e muitas delas não têm acesso à internet para acompanhar as aulas online. Outro aspecto a ser observado é a segurança alimentar, muitas crianças se alimentam nas escolas”.
As promotoras de Justiça Karine Espinheira e Anna Karina Senna foram as debatedoras do evento, em que também foram apresentadas boas práticas, projetos e iniciativas de educação e aprendizagem voltadas ao enfrentamento do trabalho infantil. Participaram da discussão a auditora-fiscal do trabalho, coordenadora de fiscalização da aprendizagem na Bahia e presidente do Fórum Baiano de Aprendizagem Profissional (Fobap/BA), Tais Arruti; a procuradora do trabalho e coordenadora do Coordinfância na Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região, Andrea Tannus; o superintendente de Planejamento Operacional da Rede Escolar da Secretaria Estadual de Educação, Manoel Calazans; do Secretário Municipal de Educação de Salvador, Marcelo Oliveira; e da defensora pública e presidente do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho Adolescente (Fetipa), Ana Virgínia.
*Estagiária de jornalismo sob supervisão de George Brito (DRT-BA 2927)