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Brasileiros reproduzem a cultura racista porque desconhecem a luta positiva dos negros
Brasileiros reproduzem a cultura racista
porque desconhecem a luta positiva dos negros
“A negação do racismo no Brasil alimenta e reproduz a própria ideia de racismo”. Foi com esta afirmativa que o promotor de Justiça Almiro Sena abriu sua exposição na manhã de hoje (28), durante a palestra ‘O Custo da Escravidão e o Desafio das Políticas Públicas de Ação Afirmativa’, proferida no auditório do Ministério Público estadual, no âmbito do ‘Seminário Efetivando o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena’. Direcionado a educadores, atores fundamentais para a implementação da lei que institui a obrigação do ensino da história e cultura africana e indígena nas escolas, o evento resulta de um inquérito civil instaurado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação (Gedis) em conjunto com o Grupo de Atuação Especial em Defesa da Educação (Geduc) para buscar a implementação da lei, lembrou Almiro Sena, destacando que, por isso, os professores têm papel de destaque na busca pela conformação da igualdade no Brasil. A cultura nacional, destacou ele lembrando o teórico Stuart Hall, é um discurso construído sobretudo na escola, onde o cidadão é formado. Por isso, é nesse ambiente que a história precisa ser recontada e a dimensão positiva do povo negro deve ser transmitida. “A ação educativa é valiosa para a superação do preconceito”, concluiu Almiro.
Segundo o promotor de Justiça, que é coordenador do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MP (Ceaf), mas dirigiu o Gedis por vários anos, o maior desafio da atualidade é vencer a ideia de preconceito. A resistência é muito grande, lamentou ele, assinalando que muitos negam a existência do racismo e o negam como fenômeno a ser estudado na Academia. Mas esse é um obstáculo a ser superado pelos professores, disse Almiro à plateia, questionando sobre como é construída a ideia de nação e como professores colaboram na construção embranquecida dessa ideia. O discurso de uma cultura europeia é reproduzido ainda hoje, ressaltou ele, assinalando que “a nossa cultura é esquecida”. “Precisamos resgatar a nossa história para os estudantes”, conclamou o promotor, solicitando que não se cometa mais o grave equívoco de construir uma ideia errônea de nação. A história do Brasil construída em termos ilustrativos foi apresentada pelo palestrante para lembrar como o povo negro sempre foi apresentado como oprimido e serviçal, o que também foi destacado pela historiadora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Wlamyra Albuquerque. Ela complementou dizendo que a memória nacional absorve certos estereótipos que são reproduzidos nas escolas. Mas é preciso contestar esse discurso e desconstrui-lo porque o racismo é um discurso construído, afirmou Almiro, destacando o trabalho que vem sendo realizado na área de direitos humanos pela idealizadora do evento, promotora de Justiça Márcia Virgens. Certamente, com o apoio do MP, que está compromissado com a busca pela efetividade da lei, isso será possível e as crianças aprenderão como a história do Brasil pode ser mais democrática, assinalou Wlamyra.
O economista e antropólogo francês Jacques François D’adesky lembrou que, em 2001, a Conferência Mundial da ONU debateu o racismo e a intolerância, sendo seus resultados extremamente importantes para a história do Brasil no que diz respeito à história dos negros e à luta pelas políticas públicas. Essa conferência, disse ele, reconheceu a escravidão e o tráfico de escravos como crimes contra a humanidade. “Ela nos deu ferramentas jurídicas para olharmos o passado e podermos condená-lo”, enfatizou ele, destacando que o reconhecimento do crime remete a um dever de memória atrelado ao dever de justiça e de reparação. Segundo o antropólogo, o presidente Lula também reconheceu o dever de justiça em abril de 2005, quando esteve na África e pediu perdão aos africanos. Para o palestrante, as ações afirmativas são uma forma de reparação. “São elas que oferecem aos negros a possibilidade de desenvolvimento e conquistas que lhes tiram da sombra e dos caminhos errôneos, como a marginalidade”. D’adesky, que é pesquisador do Centro de Estudos das Américas da Universidade Cândido Mendes, afirmou ainda que o elemento conceitual que justifica as ações afirmativas não é somente a ideia de igualdade perante a lei, mas a de igualdade de oportunidade na realidade concreta, porque hoje o elemento desafiador é saber se a massa crítica que está sendo construída nesse novo Brasil terá a possibilidade de obter trabalho digno à sua própria formação. O mesmo entendimento foi compartilhado por Almiro Sena, que afirmou que a igualdade formal precisa estar conectada com a material, pois a igualdade de direitos não é suficiente para tornar acessível aos desfavorecidos a igualdade real, principalmente na sociedade marcada pelo racismo.
Para a vereadora Olívia Santana, é preciso insistir na legalidade das cotas e em todas as políticas de ações afirmativas, que não são invenção do movimento negro, e sim um movimento mundial. Há um passivo da escravidão que não foi superado com a abolição porque ela foi incompleta, disse ela. Há 122 anos, nada aconteceu em relação á população negra, lamentou a vereadora, afirmando que as políticas afirmativas não negam a necessidade das políticas universais. O problema é que as políticas universais do Brasil não são tão universais assim, porque servem a uns, mas nega, sistematicamente, a incorporação de um contingente importante da população, disse ela. Referindo-se à oportunidade dos negros chegarem às Academias, Olívia Santana apresentou dados de uma pesquisa que indica que, do total de 4.705 professores da USP, apenas 5 são negros. “O quadro brutal de exclusão” se repete na UFRJ, que tem 3.200 professores, sendo apenas 20 negros; na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que tem 2000 professores, com somente 3 negros; e em tantas outras universidades do país, frisou Olívia. Outro problema ressaltado pela vereadora, que é pedagoga, foi o fato de os professores não estarem atentos à violência simbólica que se materializa dentro das salas de aula, onde tantos negros são alvo de chacota. “Quando não se trata da questão racial na escola, finge-se que está igualando, mas o que se está fazendo é permitir que essa violência aconteça disfarçada de brincadeira”, alertou ela.