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Infância pede socorro nas ruas de Salvador
Infância pede socorro
nas ruas de Salvador
P., 15 anos, mãe falecida, pai desaparecido... Há um ano, ele se droga todas as noites. Quando amanhece, procura abrigo na unidade do Projeto Axé e lá descansa até encontrar forças para voltar às ruas e cometer pequenos furtos para abastecer o vício. M., mais uma adolescente usuária de crack que “mora” nas ruas de Salvador, mas que, grávida de sete meses, pede socorro para se livrar do vício e da ameaça de morte dos traficantes. Os dois, desassistidos e desacreditados, com ou sem “vontade” de se livrar das drogas, mas com uma certeza: são invisíveis para o Poder Público. A constatação é da promotora de Justiça da Infância Marly Barreto, que lamenta, mas afirma que esses meninos só serão “vistos” quando cometerem um “crime grave com requinte de crueldade”, porque, aí sim, o Poder Público voltará seu olhar para eles e os punirá.
É justamente na contramão deste triste fim que o Ministério Público do Estado da Bahia caminha há três anos. Desde 2005, a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância (Caopjij) – procuradora de Justiça Lícia Oliveira – , juntamente com promotoras de Justiça da Infância, tenta fazer com que o Estado e o Município se comprometam e concretizem a criação de um abrigo para adolescentes de 15 a 17 anos que se encontrem em situação de risco e de uma clínica de tratamento para os que já se tornaram dependentes de substâncias psico-ativas.
A omissão do Poder Público para com esses meninos já motivou o MP, inclusive, a ajuizar uma ação civil pública contra o Município que, infelizmente, recorreu da sentença deferida pelo juiz e, até hoje, inviabiliza a solução do problema. A afirmação foi feita pela coordenadora do Caopjij hoje (20) em reunião realizada no MP com representantes das secretarias de Saúde do Estado e Município, de grupos formados por essas próprias secretarias, da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado e com as promotoras Edna Sara Cerqueira, Maria Eugênia Abreu e Marly Barreto. Na oportunidade, Lícia Oliveira lamentou que, durante esses três anos de muitas reuniões, as propostas apresentadas e discutidas não tenham sido efetivadas. Não houve avanço, afirmou ela, frisando que, a cada dia que passa, mais crianças estão desamparadas na ruas. O próprio Estado, lembrou a procuradora, comprometeu-se, em agosto de 2007, a implantar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), com proposta de internação para os jovens, mas até agora nada fez. “É uma pena que a proposta tenha sido apresentada e que, apesar de disseminarem que o projeto já estava sendo viabilizado, nada exista”, falou Lícia, acrescentando que “o Poder Público é o primeiro violador dos direitos das crianças e adolescentes”.
Preocupado com a situação, o procurador-geral de Justiça Lidivaldo Britto lembrou, durante a reunião, que, apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estar completando 18 anos, nós não temos políticas públicas previstas nele sendo adotadas pelo Poder Público. Para o PGJ, isso implica diretamente no aumento da violência, da evasão escolar e de tantas outras situações críticas. O aumento do número de crianças nas ruas, muitas delas usando drogas, tem, segundo Lidivaldo, afligido muito o MP. A Instituição, disse ele, tem trabalhado e feito a sua parte, mas é difícil atuar “se não há uma rede de proteção que garanta assistência a essas crianças”. “Não é de hoje que o MP chama a atenção do Poder Público, e não é possível que esse poder tenha dinheiro para investir em outras questões, mas quando se fala em política pública voltada para a infância e juventude existam tantos empecilhos”, ressaltou Lidivaldo, comprometendo-se em convidar os chefes dos poderes Executivo Estadual e Municipal e o secretário de Desenvolvimento Social para lhes apresentar um projeto que viabilize a implantação do abrigo e da clínica, na tentativa de sensibilizá-los para promover a concretização do projeto.
Segundo a promotora Marly Barreto, hoje há um grande número de meninos e meninas que consomem crack “desenfreadamente” nas ruas de Salvador. A situação se agrava, porque falta, segundo ela, vontade política. O Município, acrescentou a promotora de Justiça Maria Eugênia Abreu, tem a obrigação de executar políticas públicas e o Estado de co-financiar. O que acontece aqui, lamentou ela, é que não há sensibilização nenhuma por parte dos gestores públicos. Aqui em Salvador, infelizmente, crianças e adolescentes não são prioridade, completou Lícia Oliveira, recebendo apoio da assistente social Daniele Cardelle, que afirmou que, diariamente, o MP se vê impedido de ajudar crianças e adolescentes que chegam pedindo socorro. Inconformada com o desassistência à infância e juventude, e reforçando que é preciso haver vontade política, a promotora Marly Barreto questionou: Quantos mais vamos esperar morrer para ver o Poder Público agir?
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